Nativa do Brasil e presente em toda a costa do país, a “erva-baleeira” ou “maria-preta” (Varronia curassavica) se espalha facilmente e é considerada uma planta invasora nas áreas agrícolas e de pastagens. Porém, a ciência já confirmou os inúmeros benefícios da espécie, e o que antes era queimado e descartado no preparo da lavoura de outras culturas, agora se tornou fonte de renda para agricultores familiares da comunidade de Miramar, no município de Eunápolis, no Sul da Bahia. Atualmente, o preço do quilo do óleo varia entre R$1,6 mil a R$3 mil. Apesar da demanda de mercado ainda ser limitada, esse possui um grande potencial de expansão.
A nova oportunidade de negócio foi identificada a partir do projeto Desenvolvimento Socioambiental para a Agricultura Familiar (DSAF) desenvolvido pelo Núcleo de Estudos em Agroecologia Pau-Brasil (NEA Pau-Brasil), da Universidade Federal do Sul da Bahia, em um Acordo de Cooperação Técnica, Científica e de Inovação com a Veracel Celulose, indústria com operação na região.
“A UFSB fez a identificação da ocorrência da espécie na região, fez análises da composição química do óleo junto a Universidade Federal do Paraná, depois, estudos dos aspectos agronômicos da planta e começou a acompanhar e orientar os processos produtivos desses agricultores para auxiliá-los a potencializar sua renda com a terra. Em geral, esses agricultores escolhem seus cultivos pelo valor de mercado, se esquecendo da grande biodiversidade que existe em suas áreas. E foi o caso aqui, fizemos uma bioprospecção e encontramos a Varonia curassavica, a base do primeiro fitoterápico produzido integralmente no Brasil”, explica a Dra. Carolina Kffuri, pesquisadora responsável pela identificação e pesquisa do óleo e que hoje faz parte do time de Responsabilidade Social da Veracel.
O projeto DSAF, sob coordenação da Prof. Dra. Gabriela Narezi em parceria com o Instituto Fotossíntese, capacitou os agricultores nos processos de colheita, armazenagem e extração de óleo e desenvolveu um plano de negócios que demonstrou para a comunidade o potencial de obtenção rápida de renda a partir do beneficiamento da planta. O resultado da colheita experimental da planta nativa foi convertido em venda inicial de 15 quilos de óleo essencial, que é a unidade de medida utilizada na venda do produto.
“No começo, pouca gente acreditou no projeto porque achavam que a planta era uma praga, mas com a pesquisa nós montamos uma equipe de sete famílias, colhemos as folhas e vimos que dava um óleo de qualidade. Acredito que essa planta pode ser o nosso futuro familiar porque dentro da nossa região poucos colhem e não tem no mercado um óleo como esse. A gente espera um resultado de crescimento na comercialização e que esse óleo saia com o nosso selo aqui da associação Miramar. Espero um dia ver nosso óleo sendo vendido no Brasil e em vários outros locais do mundo”, comenta Claudio Batista, agricultor de Miramar.
A planta possui diversos registros de uso tradicional e reconhecidas propriedades anti-inflamatórias devido ao princípio ativo chamado alfa-humuleno, e é vendida nas farmácias como pomada ou spray de uso tópico, o óleo essencial é indicado para problemas relacionados a contusões e artrite, sendo utilizado em produtos para massagens que trazem alívio das dores. Por conta disso, ela tem um grande potencial de venda para o mercado de óleos essenciais, cujo cultivo, atualmente, ainda é pouco difundido em comunidades agrícolas familiares.
O beneficiamento das folhas da planta é feito em uma dorna, equipamento doado pela Veracel para a extração do óleo das folhas na sede do projeto Instituto Fotossíntese, outro parceiro da iniciativa. A dorna tem capacidade de 300 litros e é feita de inox 316L, material qualificado para que as famílias possam solicitar a certificação do óleo para ser vendido para a indústria farmacêutica, algo que futuramente poderá trazer mais rentabilidade para a comunidade.
A longo prazo, é possível que as famílias tenham uma dorna comunitária ou até mesmo equipamentos próprios para o beneficiamento dessa planta e de outras espécies. No momento, há alguns gargalos para a instalação do equipamento na comunidade, como questões relacionadas à potência da rede elétrica e acesso à água de qualidade.
“A produção do óleo essencial feito na Miramar leva em conta os aspectos sociais, por ser uma produção feita totalmente por agricultores familiares, e aspectos ambientais, por se tratar do uso e da preservação da biodiversidade brasileira. Isso adiciona ainda mais valor a esse produto”, explica a Dra. Carolina Kffuri.
A associação Miramar é uma comunidade com 1.212 hectares divididos em 84 lotes onde moram diversas famílias de agricultores. O projeto-piloto que começou com 6 famílias, já conta com novos interessados na comunidade e deve se expandir nos próximos anos.
Projeto premiado e mais iniciativas com óleos essenciais
O projeto da UFSB faz parte do programa “Desenvolvimento Socioambiental da Agricultura Familiar”, uma parceria entre a Veracel Celulose e a universidade para apoiar o desenvolvimento da agricultura familiar da região Sul da Bahia.
“Desde 2013, a Veracel apoia as famílias da comunidade de Miramar e de mais 20 comunidades da região no desenvolvimento sustentável da agricultura familiar. A companhia também se propôs a buscar parceiros estratégicos para apoiar e capacitar os agricultores para um processo contínuo de desenvolvimento de suas plantações, de forma sustentável. A parceria com a UFSB faz parte desse processo. Os resultados que estamos vendo são muito gratificantes e mostram que, quando a iniciativa privada trabalha com responsabilidade social e se une às instituições de pesquisa, o ganho para o desenvolvimento regional é bastante significativo e inovador”, explica Alexandre Campbell, gerente de Responsabilidade Social e comunicação da Veracel.
Em 2023, o projeto da comunidade Miramar ganhou o primeiro lugar no 14o Prêmio Indústria Baiana Sustentável, promovido pela da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB) na categoria “Trabalhos da Academia (pós-graduação) e de Centros de Pesquisas Aplicadas”. Em setembro de 2024 irá para a banca de qualificação o primeiro trabalho de mestrado feito com a “maria-preta” da Miramar que irá comparar os princípios ativos dessa espécie coletada na comunidade de Miramar e colocada em 3 diferentes condições: plantada novamente na Miramar, no campus da UFSB em Porto Seguro e no campus da UFPR em Curitiba.
A UFSB também é parceira da Veracel no apoio a outras comunidades, como a de Nova Vitória, também em Eunápolis (BA), em que está sendo implementado o plantio de Melaleuca alternifolia ou Tea Tree, uma planta nativa do sul da Austrália, já consolidada no mercado de óleos essenciais. Das folhas dessa árvore é destilado o óleo de essencial, que também pode ser usado como antifúngico com amplo potencial para ser utilizado como defensivo agrícola (bioinsumo).
Além da maria-preta e da melaleuca mais dez espécies de plantas estão sendo estudadas pelo projeto com o propósito de gerar renda para as comunidades.
Capacitações para as comunidades
Dentro do escopo do projeto, em agosto foram realizados cursos para capacitar agricultores familiares para a produção sustentável de óleos essenciais, aproveitando a biodiversidade local, como no caso da erva-baleeira, além de uma capacitação focada em planos de negócios sustentáveis.
Os treinamentos foram realizados pela Veracel, pelo Instituto Fotossíntese, o Instituto de Pesquisas Ecológicas e a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e da Universidade de Yale. O curso priorizou agricultores já envolvidos nos projetos apoiados pela Veracel e a procura foi tão alta que gerou uma lista de espera para um próximo curso, previsto para ocorrer durante a Semana Nacional de Ciências e Tecnologia na UFSB.
O evento contou com a participação de representantes da Veracel, outras organizações sociais, e agricultores das associações Nova Vitória e Miramar, reforçando a rede de colaboração e o compromisso com o desenvolvimento sustentável da região.
Por: Vida Diária/ O Sollo
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