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Já é parte da rotina: ao ir em uma farmácia ou em certas redes de lojas, na hora de passar a compra no caixa, o vendedor vai pedir seu CPF. Fornecer a informação, diz o atendente, pode render descontos.

Mas você sabe como essa informação é usada, quem terá acesso a ela e quais os dispositivos de segurança digital utilizados para garantir a privacidade desse dado?

 

O que pode ser feito com o CPF

O CPF, Cadastro de Pessoa Física, é considerado um dado pessoal público. Isso quer dizer que cabe aos indivíduos controlar como ele é coletado, acessado e divulgado.

Com o CPF de um cidadão em mãos, é possível realizar uma série de fraudes, como solicitar crédito em instituições bancárias, contratar serviços e emitir cartões de crédito.

Além de uso por indivíduos mal-intencionados, o CPF dos consumidores também pode ser usado por empresas.

Em janeiro de 2018, a Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial do Ministério Público do Distrito Federal começou a investigar redes de farmácias de todo o país.

A suspeita do Ministério Público é de que os dados dos consumidores podem estar sendo vendidos a empresas de planos de saúde. Ao manter um histórico detalhado do hábito de compras, essas empresas poderiam cobrar um valor mais caro, a depender o perfil de consumo da pessoa.

“Imagine que você tem que pagar um plano de saúde muito mais caro do que o seu vizinho, simplesmente porque você comunicou o seu CPF para obter um desconto, porque esses dados foram vendidos para empresas de planos de saúde”, disse ao Nexo Luca Belli, professor de regulação da internet na FGV Direito Rio.

“Imagine que esse vizinho compra exatamente os mesmos remédios que você, mas não entregou o CPF e por isso paga menos do que você. Isso é algo que pode ser feito”, acrescentou.

Segundo Belli, a venda de dados pode ir além de empresas de planos de saúde e prejudicar o cidadão até mesmo na hora de procurar um emprego.

“Um empregador pode comprar bancos de dados e pode discriminar, no momento da contratação, uma pessoa que já comprou, por exemplo, remédios para uma doença cardíaca, porque na visão dele é mais provável que essa pessoa tenha algum tipo de problema no futuro”, afirmou.

Quando as investigações começaram, em 2018, a Associação Brasileira de Planos de Saúde negou a prática.

“As operadoras não diferenciam o preço do plano de saúde segundo o perfil de beneficiários muito menos conforme a utilização dos medicamentos. A legislação e a regulação do setor, inclusive, proíbem tal prática“, disse a associação em nota oficial.

Também por meio de nota, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias, entidade representativa do setor varejista farmacêutico, disse que “defende veementemente que as farmácias e drogarias pautem suas atividades em consonância com os ditames da legislação nacional, bem como prezem pelo sigilo das informações obtidas por meio dos registros constantes dos receituários médicos ou prestadas pelo próprio cliente ao farmacêutico”.

 

O que diz a lei atualmente

Não há uma legislação específica que proíba o pedido de dados pessoais de consumidores por parte de lojistas de qualquer área, porém, alguns requisitos devem ser cumpridos.

O artigo 43º do Código de Defesa do Consumidor prevê que os cadastros e uso de dados de consumidores “devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão”.

Caso o consumidor seja impedido ou tiver dificuldade de acesso aos seus dados pessoais que constam em bancos de dados de lojas, a pena é de um a seis meses de detenção ou multa.

“Em si, a prática de pedir um CPF ou pedir um dado em qualquer comércio não é ilegal. Ela é ilegal a partir do momento em que ela ocorre sem a informação adequada, sem transparência que precisaria ter”, disse ao Nexo Bárbara Simão, especialista em direitos digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

O consumidor tem o direito de recusar fornecer qualquer tipo de dado pessoal numa compra, desde que não exista nenhuma regulamentação que exija esse tipo de informação, como é o caso da compra de remédios controlados, automóveis e imóveis.

No caso de recusa, a loja tem o direito de não dar o desconto ao consumidor.

 

Como a Lei de Dados pode auxiliar a situação

Em agosto de 2018, o ex-presidente Michel Temer sancionou a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, criando regras mais específicas para a coleta e uso de informações por governos e empresas.

O texto diz que a coleta, produção, reprodução e acesso a informações pessoais só poderão acontecer com o consentimento expresso do indivíduo, que deverá ser informado de qual é a finalidade do uso do dado, que deverá ser descartado após o fim do procedimento.

Ou seja, ao fazer uma compra numa farmácia, o atendente terá de explicar de maneira clara e objetiva para quê o CPF será usado e como será usado, bem como os dispositivos de segurança em torno do dado.

No mês de julho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, órgão que vai editar normas e fiscalizar procedimentos relacionados à proteção de dados e que estava previsto no texto original da nova legislação.

A nova lei começa a valer a partir de agosto de 2020, quando completam-se dois anos da sanção feita por Temer em 2018.

“A Lei Geral de Proteção de Dados foi um grande avanço que tivemos”, disse Bárbara Simão. “Ela dá regras específicas de como esses dados e essas informações podem ser tratados. E no caso de dados de saúde, que pelo texto são considerados dados sensíveis, ela tem regras muito expressas sobre o consentimento da pessoa”.

Luca Belli vê na lei a possibilidade dos consumidores fazerem escolhas conscientes na hora de fazer uma compra que oferece descontos mediante o fornecimento do CPF.

“É uma lei que foi criada exatamente para evitar esse tipo de prática, para regular esse tipo de prática”, afirmou Belli. “Se a lei for cumprida, o caixa pode pedir o CPF, explicando como ele vai ser usado, e o consumidor, com consciência, vai poder decidir se o desconto de R$ 2 ou R$ 3 vale a pena.”

 

A questão da Nota Fiscal Paulista

A prática de se pedir CPF para se “iniciar a venda” ganhou popularidade com iniciativas como a Nota Fiscal Paulista, programa do governo de São Paulo que desde 2007 incentiva os consumidores a incluírem seus CPFs nas notas fiscais em troca de restituição de até 30% do ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

A iniciativa foi criada para combater a sonegação de impostos e aumentar a arrecadação atual. Além da restituição, os participantes podem participar de sorteios.

No início do programa, a adesão era alta: 33% dos paulistas ofereciam o CPF nas notas fiscais para participar do programa. Dez anos depois, em 2017, o número tinha diminuído para 19%.

Ao longo dos anos, mudanças foram feitas no programa, diminuindo o percentual repassado na compra de determinados produtos – como itens de papelarias e remédios – , o que fez cair o interesse pela iniciativa.

 

Por: Vida Diária / Nexo

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